Atribuição de Personalidade Jurídica às Inteligências Artificiais (IA): Uma possível solução para o limbo dos Direitos Autorais

Atribuição de Personalidade Jurídica às Inteligências Artificiais (IA): Uma possível solução para o limbo dos Direitos Autorais

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1. INTRODUÇÃO

O avanço acelerado das tecnologias de Inteligência Artificial (IA), como exemplificado por inovações como o ChatGPT, Gemini, Google Bard, Midjourney e Dalle, está provocando transformações substanciais na sociedade e economia global. Essas tecnologias estão se tornando cada vez mais integradas em uma variedade de setores e atividades humanas, trazendo uma série de benefícios, mas também desafios significativos no contexto contemporâneo. Uma questão particularmente pertinente que surge neste cenário é a dos direitos autorais relacionados às obras geradas por IA, uma discussão que exige reflexões cuidadosas e soluções legais apropriadas.

Atualmente, a legislação de direitos autorais na maioria dos países, inclusive no Brasil, foi concebida e implementada em uma era onde os humanos eram os únicos criadores reconhecidos. No entanto, o envolvimento cada vez maior de IAs no processo criativo, seja operando de forma autônoma ou em colaboração com seres humanos, levanta questões críticas sobre a adequação das leis existentes e a necessidade emergente de revisões e adaptações para abraçar esse novo paradigma.

Neste contexto, o presente artigo tem como foco a proposição de atribuir personalidade jurídica a determinadas IAs no âmbito do direito brasileiro. Este estudo busca explorar como tal atribuição poderia contribuir para a segurança jurídica e fomentar a inovação no campo da inteligência artificial. Para alcançar este objetivo, será realizada uma revisão integrativa abrangente da literatura, incluindo estudos e debates tanto nacionais quanto internacionais, e uma análise comparativa detalhada das legislações e jurisprudências relevantes.

A atribuição de personalidade jurídica às IAs, ao reconhecer legalmente suas criações, implicaria em conceder direitos e deveres a estas entidades não humanas, de maneira similar ao tratamento dado às pessoas jurídicas, como empresas e organizações. A presente pesquisa tem como objetivo propor e investigar atribuição de personalidade jurídica às Inteligências Artificiais (IAs) e os impactos desta concessão nas leis de direitos autorais. O foco central é explorar como a personalidade jurídica para IAs pode ser definida e quais seriam seus limites e alcances, especialmente em termos de direitos e obrigações. Paralelamente, este estudo visa entender como essa atribuição influencia as leis atuais de direitos autorais e se é necessária uma reformulação legislativa para acomodar essa nova realidade.

A questão principal que norteia este estudo é: “Como a personalidade jurídica pode ser definida para as IAs e quais são os impactos dessa definição nos direitos autorais?” Com isso, busca-se compreender não apenas a extensão legal e as implicações da personalidade jurídica das IAs, mas também analisar as mudanças necessárias nas leis de direitos autorais para integrar as criações de IAs.

Os objetivos específicos incluem: examinar as bases teóricas e legais para a concessão de personalidade jurídica às IAs; identificar as implicações legais e éticas dessa atribuição; e avaliar as reformas necessárias nas leis de direitos autorais para abranger as criações de IAs. A metodologia adotada é exploratória e analítica, fundamentada em uma revisão integrativa da literatura e análise comparativa de legislações e jurisprudências. As fontes incluem periódicos de pesquisa, estudos e artigos de bases como Scielo, Google Acadêmico, além de livros e e-books especializados em direito da IA e propriedade intelectual. Os descritores principais serão “Personalidade Jurídica”, “Inteligência Artificial”, “Direitos Autorais” e “Mudanças Legislativas”, combinados pelos operadores booleanos “AND” e/ou “OR”.

Para a seleção dos estudos, serão aplicados critérios de inclusão como publicações entre 2010 e 2023 que abordem a personalidade jurídica das IAs, impactos nos direitos autorais e as necessidades de mudanças legislativas. Serão excluídos estudos com metodologias insuficientes ou sem embasamento teórico robusto. Espera-se analisar um conjunto amplo de estudos que ofereçam insights sobre a interação entre a personalidade jurídica de IAs e o direito de propriedade intelectual.

A técnica de Análise de Conteúdo será utilizada para examinar os materiais acessados, permitindo a classificação em temas ou categorias relevantes para compreender as implicações legais da personalidade jurídica das IAs. Este método seguirá as abordagens de descoberta e verificação de hipóteses no contexto do direito de IA e propriedade intelectual.

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2. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E SUAS APLICAÇÕES

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma inteligência artificial (IA) é um sistema baseado em máquina que atua no ambiente ao gerar soluções, previsões, recomendações ou decisões para atingir objetivos específicos. A IA opera através da coleta de dados e informações, tanto de máquinas quanto humanos, para interpretar ambientes reais ou simulados. Ela abstrai essas percepções em modelos usando análise automatizada e aplica inferências desses modelos para propor alternativas de ação.

No Reino Unido, em 1964, foi criada a sociedade para o estudo da inteligência artificial e simulação do comportamento [1] . Em seguida, em 1969 foi realizado o primeiro evento científico, a Conferência Conjunta Internacional sobre IA [2]. Assim, levando em conta todos estes aspectos, traz definições comuns à escala da união de sistemas ciberfísicos, de sistemas autônomos, de robôs autônomos inteligentes e das suas subcategorias, tendo em consideração as seguintes características para o robô inteligente: (i) aquisição de autonomia através de sensores e/ou da troca de dados com o seu ambiente (interconetividade) e da troca e análise desses dados; (ii) autoaprendizagem com a experiência e com a interação (critério opcional); (iii) um suporte físico mínimo; (iv) adaptação do seu comportamento e das suas ações ao ambiente; e (v) inexistência de vida no sentido biológico do termo.

Nessa esteira, um dos principais tipos de IA é o Machine Learning, quena tradução literal, significa aprendizado de máquina. Nela, ao contrário do esquema de entrada e saída do algoritmo, o que se busca é ensinar o computador o que queremos que ela faça automaticamente. Então, entram os dados e o resultado que buscamos, e é produzido o algoritmo que transforma essas informações no resultado desejado [3]. Na prática é uma revolução, já que ensinamos aos computadores como escrever seus próprios algoritmos [4]. Com o machine learning, os programadores não ditam mais as regras [5]. Ao invés disso, é criada uma rede neural que aprende sozinha essas regras [6]. Um exemplo disso é que smartphones hoje vêm com recursos padrões como reconhecimento de voz e identificação de imagens, tudo feito por aprendizado de máquina [7].

Cabe ressaltar que o machine learning é uma poderosa arma que pode proporcionar avanços em diversas áreas, já que com dados suficientes podem-se produzir milhões de linhas de código, para diferentes problemas. Domingos [8] destaca ainda que o aprendizado de máquina pode ser chamado de várias formas como ciência de dados, sistemas auto-organizados, reconhecimento de padrões, modelagem estatística, mineração de dados, descoberta de conhecimento, análise preditiva, sistemas adaptativos, dentre outros. O machine learning funciona como uma metodologia científica, com teste e descarte ou refinamento de hipótese [9]. Contudo, enquanto um cientista talvez passe a vida testando esta hipótese e a debatendo, o computador consegue fazê-lo em fração de segundos e, por isso, vem revolucionando tanto a ciência, quanto os negócios [10].

Ademais, o deep learning é o mais próximo que nós temos de uma efetiva inteligência artificial, já que ele é uma evolução do machine learning, quando busca aprendizado de máquina por meio de algoritmos de alto nível, imitando a rede neural do cérebro humano [11]. O deep learning trabalha com uma quantidade imensa de dados, aos quais se convencionou chamar de big data, sendo capazes de reconhecer imagens, falas, processando a linguagem natural e aprendendo a realizar tarefas extremamente avançadas sem interferência humana [12]. O big data consiste em um conjunto de dados gigantesco e complexo, vindo de novas fontes de dados [13]. O volume de dados é tão gigantesco que os softwares (programas de computador) padrões que temos hoje não conseguem processá-los e gerenciá-los [14]. Pode-se definir o big data com a ideia de maior variedade de dados, velocidade cada vez maior, com volumes crescentes, dados com valor intrínseco, e por fim, dados verossimilhantes [15].

A função do big data é de integrar, gerenciar e analisar estes dados armazenados, sendo utilizado para desenvolvimento de produtos, manutenção preditiva, experiência aprimorada do cliente, fraude e conformidade, machine learning, deep learning, eficiência operacional e promoção da inovação [16]. Apesar de novas tecnologias terem sido desenvolvidas para lidar com a quantidade absurda de dados presente no servidor, as empresas estão enfrentando sérios problemas, pois o volume de dados tem duplicado de tamanho a cada dois anos [17].

O objetivo final é construir uma inteligência artificial que se assemelhe à inteligência humana, o que costuma ser denominada de “Inteligência Geral Artificial” ou AGI [18]. Alguns especialistas acreditam que o machine learning e o deep learning eventualmente nos levarão ao AGI [19]. Entretanto, ainda estamos distantes desse cenário, faltando grandes peças para tornar isto viável [20]. Domingos afirma que o machine learning foi o que elegeu o presidente dos Estados Unidos na eleição de 2012 [21]. O presidente Obama contratou Rayid Ghani, especialista em machine learning, como cientista-chefe de sua campanha [22]. Ghani deu início a uma das maiores operações de análise da história política, consolidando todas as informações sobre eleitores em um único banco de dados, combinando tudo que conseguiram obter em redes sociais, marketing e outras fontes [23].

Eles conseguiram prever quatro coisas para cada eleitor: a probabilidade de o eleitor apoiar Obama, de comparecer às pesquisas, de reagir aos lembretes de campanha para fazer isso, e de mudar sua opinião a partir de uma troca de ideia sobre um assunto específico [24]. Assim, com base nesses modelos de eleitores, toda noite a campanha executava 66 mil simulações da eleição, usando os resultados para direcionar seus esforços [25].Uma das piores coisas que pode acontecer é ver seu oponente realizar movimentos que você não entende e sobre os quais não sabe o que fazer até que seja muito tarde [26]. Mitt Romney, concorrente de Obama na eleição, via o adversário comprando anúncios em determinadas emissoras a cabo, de cidades específicas, mas não sabia o porquê [27]. Obama acabou ganhando a preferência de todos os estados decisivos, exceto da Carolina do Norte, com margens maiores que o previsto pelos mais respeitáveis e confiáveis peritos em opinião pública [28].

O exemplo da campanha de Obama em 2012 ilustra vividamente o poder da inteligência artificial na política de alto escalão. A eficácia do machine learning em prever comportamentos e preferências eleitorais demonstra que, nos dias de hoje, é praticamente impensável conduzir uma campanha política significativa sem o suporte da IA. Este caso sublinha como a análise de dados e a tecnologia podem ser decisivas na tomada de decisão.

A máquina, quando definida como inteligência artificial (IA), simboliza um repositório de informações e normas dos indivíduos que a configuraram, tornando-a um sistema autônomo baseado naquelas informações que lhes foram dadas [29]. Dentro dos debates morais, a autonomia é tida como capacidade racional de tomar decisões não forçadas baseando-se nas informações disponíveis [30]. A diferença preponderante hoje do ser humano para a máquina é o senso crítico que o ser humano possui, de adequar suas condutas de acordo com suas crenças [31]. Já a máquina dependerá de uma alteração em seus códigos e parâmetros para possuir um novo padrão de ação [32].

A máquina terá os padrões éticos e comportamentais daqueles que a configuraram [33]. É necessário observar as pessoas que fazem parte do sistema social no ambiente de trabalho para se entender os valores ali presentes e que, posteriormente, serão inseridos na máquina [34].

Em razão disso, Ricardo Cappra [35] defende que devem ser criados comitês éticos dentro das empresas de tecnologia para compreender e estabelecer premissas e princípios, que serão inseridos na máquina por meio de códigos. Deve existir um modelo de governança estruturado, que fiscalize e dialogue desde a fase de concepção, até a execução desse sistema inteligente [36].

Sistemas éticos são formados por componentes parecidos, sejam eles num ambiente social ou tecnológico: premissas, regras, ambiente, cultura, controle, atualização e suporte [37]. Quando essas partes não são devidamente fiscalizadas e integradas, aumenta-se o risco de falha comportamental da inteligência artificial [38].

A IA tem sido usada para acelerar grandes processos de produção, minimizando falhas e otimizando o tempo para as empresas [39]. No ambiente do marketing, a IA tem sido usada cada vez mais para interpretação de dados e direcionamento das informações, garantindo comunicações mais assertivas e melhores campanhas [40]. Quando acessamos à Netflix, as sugestões apresentadas de filmes, séries e documentários não são as mesmas para cada pessoa, tendo o gerenciamento de uma IA, que entende os gostos pessoais de cada usuário, e faz uma curadoria inteligente do conteúdo [41].

Ainda neste sentido, a Adidas passou a sugerir combinações de roupas na sua loja on-line com base na busca dos clientes por um produto individual, por meio de uma IA [42]. Através da análise dos dados, a empresa entende mais as preferências do consumidor e mostra toda opção disponível, sem necessidade de pesquisa do consumidor, e tornando a experiência cada vez mais personalizada [43]. A Adidas verificou um aumento no número de vendas após implantar a IA no seu e-commerce [44].

De acordo com levantamento da Accenture, nos próximos 15 anos a IA nas organizações será responsável por 40% da produtividade do negócio, o que hoje já é indiscutível, diante dos benefícios que podemos observar dia após dia [45]. A inteligência artificial é um aspecto muito importante da chamada Transformação Digital, já que negócios balizados por ela têm uma melhora gigantesca em aspectos como visão de negócios, satisfação do cliente e nas operações como um todo [46].

De acordo com estudo feito pela ManageEngine, chamado de Pesquisa de Prontidão Digital 2021, com executivos qualificados e profissionais da tecnologia sobre o impacto do trabalho remoto no uso de estratégias de segurança em TI, nuvem, e tecnologias analíticas orientadas por AI, o resultado foi que 86% das empresas aumentaram o uso de inteligência artificial nas operações nos últimos dois anos [47]

Neste mesmo estudo, 62% buscam aumentar a eficiência operacional da empresa, 63% dos profissionais apostam na IA para desenvolver melhor a análise comercial e 60% querem um índice maior de satisfação do cliente [48]. A IA tem a capacidade de automatizar tarefas repetitivas com excelente precisão, otimizando tempo para que os funcionários dediquem-se a outras atividades mais relevantes [49].

A agência Sapio Research for Hult EF Corporate Education realizou uma entrevista com 1.188 profissionais em cargos de lideranças em empresas multinacionais de 16 países diferentes, identificando que as principais habilidades necessárias para o sucesso dos negócios hoje são a criatividade, liderança, tomada de decisão estratégica e, por fim, a análise de dados [50].

Um exemplo do poder monstruoso que as inteligências artificiais vêm adquirindo é o GPT-3, lançado em junho de 2020, que possui a capacidade de conversar com humanos, gerar frases convincentes e, até mesmo, preencher códigos automaticamente, possuindo uma rede neural extraordinária, maior do que qualquer outra já construída [51]. Esse salto de desempenho não veio de algoritmos melhores, já que ela utiliza um tipo de rede neural inventada pelo Google em 2017, chamada de Transformer, mas por seu aumento de tamanho absoluto [52].

Quanto mais parâmetros esse modelo de IA possuir, mais informação ele pode absorver dos dados no treinamento e mais precisas serão suas previsões [53]. O GPT-3 tem 175 bilhões de parâmetros definidos, dez vezes mais que seu antecessor, o GPT-2 [54]. Ainda em 2021 foram lançadas duas outras IAs, que ultrapassaram a quantidade de parâmetros definidos do GPT-3: o Jurassic-1, criado pela startup americana, AI21 Labs, com 178 bilhões de parâmetros; o Gopher, criado pela empresa DeepMind, com 280 bilhões de parâmetros; o Megatron-Turing NLG que tem 530 bilhões de parâmetros; e, por fim, os modelos Switch-Transformer e GLaM do Google, com 1 trilhão e 1,2 trilhão de parâmetros [55] respectivamente.

Essa tendência não existe apenas nos Estados Unidos. Em 2021, a China, através da Academia de IA de Pequim, anunciou o Wu Dao 2.0, com 1,75 trilhão de parâmetros estabelecidos [56]. Apesar dos resultados impressionantes nos últimos anos, os pesquisadores e cientistas não sabem explicar por que o aumento de parâmetros leva a um melhor desempenho e nem têm uma solução para toda linguagem tóxica, desinformação e preconceito apreendidos por estas máquinas, e reproduzidos posteriormente [57].

Desta forma, soluções podem vir da iniciativa BigScience, consórcio criado pela empresa de IA Hugging Face, que reuniu 500 pesquisadores de grandes empresas de tecnologia para criar e estudar um modelo de linguagem em código aberto [58].

O celular da Google, o Pixel 6, é o primeiro aparelho a ter um chip exclusivo para inteligência artificial, em conjunto com o processador padrão dos celulares [59]. O iPhone, nos últimos anos, tem apresentado o que a Apple chama de “motor neural”, dedicado a IA [60]. Ambos os chips são feitos sob medida para cálculos de execução e treinamento de modelos de machine learning nos dispositivos celulares [61]. O chip do Pixel 6 foi criado de forma diferente dos chips tradicionais, que buscam cálculos ultrarrápidos e precisos, prezando mais por cálculos de alto volume e baixa precisão que as redes neurais precisam [62].

Não avançamos muito com computadores nos últimos 40, 50 anos, tornando-os apenas menores e mais rápidos, mas ainda sendo caixas com processadores que executam instruções codificadas dos humanos [63]. De acordo com o Massachusetts Institute of Technology [64], o desenvolvimento atual das IAs pode proporcionar ao menos três aspectos de mudança:

  • A maneiras como os computadores são produzidos;
  • A forma com que eles são programados;
  • Como fazemos uso deles.

Modelos de deep learning exigem que um grande número de cálculos menos precisos seja executado ao mesmo tempo, ou seja, um novo tipo de chip que proporcione a movimentação dos dados o mais rápido possível, garantindo que estejam sempre disponíveis quando necessário [65]. Assim, fabricantes de chips como Nvidia, Intel e ARM estão empenhadas em desenvolver hardware sob medida para IA [66]. A própria IA está ajudando a projetar sua infraestrutura de computação [67].

O Google, em 2020, usou uma IA chamada reinforcement learning para aprender a resolver tarefas por tentativa e erro, para criar um novo chip que gerou estranhos e novos designs que nenhum humano seria capaz de projetar, mas que funcionaram [68]. Esse tipo de IA poderia um dia construir chips mais eficientes e melhores [69].

Chris Bishop, diretor da Microsoft Research no Reino Unido, explica que nos últimos 40 anos, programamos os computadores, e que nos próximos 40, iremos apenas treiná-los [70]. Ele também explica que os grandes avanços nas próximas décadas virão na simulação molecular, treinando computadores para manipular propriedades da matéria, criando mudanças globais no uso de energia, medicina, manufatura e produção de alimentos [71].

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3. PROPRIEDADE INTELECTUAL E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A questão da propriedade intelectual e inteligência artificial (IA) é um tema emergente e complexo, que vem gerando intensos debates e desafios jurídicos. A legislação de direitos autorais, tanto nacional quanto internacional, protege primariamente as obras derivadas da criatividade humana, deixando uma lacuna em relação às obras produzidas por IA. Este vácuo legislativo gera incertezas e prejuízos econômicos para empresas que investem em tecnologias de IA, uma vez que as obras geradas por esses sistemas ainda não têm um regramento específico de proteção e correm o risco de serem reproduzidas sem restrições​​​​.

Juridicamente, a Convenção de Berna de 1886, adotada por mais de 160 países, incluindo o Brasil, foca na proteção dos direitos de autores e editores de obras, mas presume que o autor seja um ser humano. Assim, obras criadas por agentes não humanos, como IA, desafiam esse entendimento tradicional.

Nesse sentido, a Lei 9.610/1998 estabelece que são consideradas obras intelectuais protegidas, de acordo com o entendimento de “criações do espírito”, todas aquelas manifestações que emanam do intelecto humano, independentemente do meio ou suporte utilizado para sua expressão, seja ele físico ou abstrato, já existente ou porventura a ser concebido no futuro. Dentre tais manifestações, destacam-se:

I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

III – as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

V – as composições musicais, tenham ou não letra;

VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;

X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;

XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

XII – os programas de computador;

XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

A inspiração para essa legislação no Brasil, datada de 1973, que considerou o direito autoral como resultante de criações do espírito, foi a Lei de Direitos Autorais francesa, em vigor desde 1957, que conceituou a “criação do espírito” como uma manifestação humana. A Lei 9.609/1998, que trata especificamente de programas de computador no Brasil, define um programa de computador como uma sequência ordenada de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, cuja finalidade é permitir o funcionamento de máquinas automáticas de processamento de informações, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnicas digitais ou análogas, de forma específica.

Contudo, vale ressaltar que a legislação específica de 1998 não contempla a questão da Inteligência Artificial (IA) e suas criações. Este é um aspecto que representa uma considerável lacuna legal em diversas jurisdições pelo mundo, uma vez que a IA é uma tecnologia relativamente recente. Quando nos deparamos com obras criadas inteiramente por meio de IA, sem qualquer intervenção humana, surge uma indagação fundamental: quem detém os direitos autorais? O criador da IA? A própria IA? E em situações de intervenção humana, ainda que mínima, poderia o autor da IA reivindicar a autoria da criação?

Sob a perspectiva do Direito Autoral, tradicionalmente, apenas seres humanos são considerados capazes de gerar obras intelectuais, que englobam marcas, desenhos industriais, invenções e obras artísticas [72]. Isso foi debatido em um caso judicial nos Estados Unidos, envolvendo uma disputa sobre os direitos autorais de fotografias tiradas por um macaco na Indonésia durante uma sessão de fotos conduzida pelo fotógrafo David Slater [73]. O tribunal determinou que apenas criações humanas são protegidas pelo Direito Autoral [74].

Após esse incidente, o Copyright Office dos Estados Unidos estabeleceu a exigência de que o registro de obras intelectuais somente pode ser efetuado por seres humanos [75]. Santos, Jabur e Ascenção também indicam que na França, desde 1863, existiram três correntes jurisprudenciais que abordaram os direitos autorais de fotografias: uma corrente negava a proteção de direitos autorais a fotografias, argumentando que a máquina fotográfica simplesmente reproduzia o objeto fotografado de forma servil; outra corrente entendia que o operador da câmera era o autor da obra intelectual resultante; e uma terceira corrente reconhecia a possibilidade de que uma fotografia pudesse ter um caráter artístico, mas considerava essa avaliação como uma questão a ser decidida caso a caso [76].

Entretanto, em 1957 é promulgada a Lei Autoral Francesa definindo fotografias como obras intelectuais, desde que tenham caráter artístico ou documentário [77]. Esses últimos requisitos foram suprimidos posteriormente por uma lei em 1985 [78]. Em Paris, no ano de 2000, foi decidido que seria direito autoral do indivíduo que criou uma composição musical com auxílio de software, desde que tenha havido alguma intervenção humana na criação, entendendo que o programa de computador é mera ferramenta de uso do compositor [79].

Uma das abordagens sugeridas é atribuir a autoria a pessoas físicas ou jurídicas que utilizaram a IA na produção da obra, tornando-as titulares dos direitos autorais [80]. No Reino Unido, por exemplo, os direitos das obras criadas por IA pertencem à pessoa que forneceu os meios necessários para sua criação [81]. Em contrapartida, Portugal mantém as obras criadas por IA em domínio público, já que a IA não se beneficia diretamente do valor arrecadado com a criação [82]​​.

Um aspecto crucial é a auditoria da IA, sendo essencial para aferir como os dados são manuseados pela inteligência artificial [83]. A auditoria pode incluir normas de proteção a dados e direitos autorais alheios, e é importante para a verificação de desvirtuamento das obras que subsidiam a IA​​ [84].

Além disso, a utilização de obras autorais no processo de machine learning também levanta questionamentos [85]. A Lei de Direitos Autorais proíbe o uso não autorizado de obras por qualquer modalidade, incluindo a inclusão em base de dados e armazenamento em computador​​ [86].

Internacionalmente, os direitos autorais são objeto de proteção pela Convenção de Berna e outros acordos, mas os desafios impostos pela IA ainda estão sendo delineados [87]. Os estudos multidisciplinares se mostram essenciais para determinar os parâmetros a serem analisados no caso de conferir direitos autorais a obras de IA [88]​​​​.

O Escritório de Direitos Autorais dos EUA, desde o início de 2023, iniciou um programa para examinar os desafios apresentados pela IA no contexto da lei de direitos autorais. Isso inclui considerar o escopo dos direitos autorais em obras geradas usando ferramentas de IA e o uso de materiais protegidos por direitos autorais no treinamento de IA. As atividades do Escritório incluem sessões públicas de escuta e webinars para coletar informações sobre as tecnologias atuais e seu impacto.

Um caso notável que trouxe essas questões para o primeiro plano é a disputa envolvendo “A Recent Entrance to Paradise” de Stephen Thaler, uma obra alegadamente criada autonomamente por IA, sem qualquer contribuição criativa humana [89]. Este caso levantou questões significativas sobre se obras geradas por IA podem ser consideradas para registro de direitos autorais e, se não, se tais obras devem ser tratadas como domínio público, livres para qualquer um comercializar [90]. O caso também aborda as implicações mais amplas para violação de direitos autorais e a aplicação do Digital Millennium Copyright Act (DMCA) ao conteúdo gerado por IA [91].

A comunidade jurídica está debatendo e explorando ativamente essas questões, com vários pontos de vista e soluções potenciais sendo propostos. Uma abordagem sugere atribuir os direitos autorais ao humano ou à entidade jurídica que usou a IA para produzir a obra. No entanto, essa abordagem ainda deixa questões em aberto sobre o grau de envolvimento humano necessário para a elegibilidade dos direitos autorais e o tratamento de obras inteiramente geradas por IA.

Esta área do direito ainda está em constante mudança, com tribunais e legisladores em todo o mundo lutando para adaptar os frameworks existentes de propriedade intelectual às realidades das criações geradas por IA. À medida que a tecnologia de IA continua avançando e suas aplicações se tornam mais difundidas, é provável que o sistema jurídico veja desenvolvimentos significativos na forma como as obras geradas por IA são tratadas sob a lei de direitos autorais.

Já na Europa, o Escritório de Patentes Europeu entendeu que sob os termos da Convenção Europeia de Patentes, o termo inventor se refere apenas ao ser humano, e que para ter o status de inventor é necessário que exista uma personalidade jurídica para exercer, e que apenas dar um nome a máquina não lhe concede personalidade [92]. No mesmo sentido entendeu o Escritório de Patentes nos Estados Unidos, o exercício do direito de patentear uma invenção é inerente apenas a seres humanos [93]. Bhavsar-Jog, Arnstein e Lehr Llp explicam que o Dr. Thaler chegou a abrir um processo, em setembro de 2021, no Distrito Oriental da Virgínia, na qual a juíza distrital, Leonie Brinkema, rejeitou o processo, alegando que à medida que a tecnologia evolui, pode chegar um momento em que a inteligência artificial atinja um nível de sofisticação de tal forma que possa satisfazer o significado aceito da inventividade [94]. Mas esse tempo ainda não chegou, e, se chegar, caberá ao Congresso decidir como, se quer expandir o escopo da lei de patentes [95].

Em resumo, a propriedade intelectual na era da IA é um campo em evolução, e a legislação precisará se adaptar para garantir proteção de obras concebidas por inteligência artificial. Isso pode ser feito por meio de reformas legislativas ou a criação de um direito sui generis, tratado por legislação específica​​.

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4. O INSTITUTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Uma pessoa jurídica é uma entidade legal reconhecida pelo direito, distinta dos seus membros ou proprietários. Como tal, uma pessoa jurídica – seja uma empresa, organização sem fins lucrativos ou entidade governamental – pode agir de forma independente em questões legais. Isso inclui celebrar contratos, adquirir bens, assumir dívidas e ser parte em ações judiciais. Para ser estabelecida, a criação de uma pessoa jurídica requer registro e o cumprimento dos requisitos legais em uma jurisdição específica.

É importante notar que a separação entre a entidade corporativa (pessoa jurídica) e seus membros é um princípio fundamental. Esta separação permite que a corporação possua direitos e obrigações independentes dos seus acionistas, o que é essencial para a operação e gestão das empresas modernas. Ela também protege os acionistas de responsabilidades pessoais pelas ações da corporação, uma característica vital para o investimento e o crescimento econômico. Este aspecto da personalidade jurídica das corporações é um tema central na legislação e na teoria corporativa, destacando a complexidade e a importância da ficção jurídica no direito empresarial contemporâneo.

Existem diversos tipos de pessoas jurídicas, cada qual com características, direitos e obrigações legais próprios. Entre esses tipos, encontram-se sociedades comerciais, corporações, associações sem fins lucrativos, fundações e órgãos governamentais. Apesar de suas diferenças, todas compartilham a característica fundamental de terem personalidade jurídica própria.

Dentro desse contexto, surge o conceito de ficção jurídica, uma construção legal utilizada para simplificar ou facilitar processos e transações legais. Esta construção, embora possa não refletir completamente a realidade, é considerada verdadeira para fins jurídicos. Um exemplo clássico dessa ficção é o tratamento de uma pessoa jurídica como uma “pessoa” perante a lei. Apesar de não possuir existência física ou consciência, uma empresa é atribuída com direitos e responsabilidades, permitindo-a participar de atividades legais como contratos e litígios.

Outra aplicação da ficção jurídica é na presunção de que menores de idade não têm capacidade plena para decisões legais, necessitando assim de representação por um adulto ou tutor legal. Este é mais um exemplo de como o direito, por vezes, recorre a suposições para lidar com situações complexas de forma eficiente.

Ficções jurídicas são adotadas no direito por vários motivos importantes. Inicialmente, elas surgiram como uma maneira de lidar com as limitações ou lacunas na lei. Quando as leis escritas não cobrem uma situação específica ou são muito rígidas para se adaptar a circunstâncias em mudança, as ficções jurídicas permitem que os tribunais e os legisladores preencham essas lacunas sem alterar formalmente a letra da lei.

Um dos principais objetivos das ficções jurídicas é garantir a justiça e a equidade. Elas são utilizadas para alcançar resultados que seriam impossíveis sob a estrita aplicação da lei. Por exemplo, a ideia de tratar uma empresa como uma “pessoa” no contexto legal é uma ficção jurídica que permite que as empresas sejam responsabilizadas e processem ou sejam processadas, o que é crucial para o funcionamento do direito comercial moderno.

Além disso, as ficções jurídicas também são empregadas para garantir a consistência na aplicação da lei. Elas ajudam a manter a estabilidade do sistema legal ao permitir que os tribunais apliquem princípios estabelecidos a novas situações sem a necessidade de legislação adicional ou reformas jurídicas profundas.

Essas ficções são, portanto, ferramentas vitais no direito, usadas para adaptar e moldar a lei às necessidades em constante mudança da sociedade. Elas são um exemplo claro de como a lei, embora baseada em regras e princípios estabelecidos, é dinâmica e capaz de evoluir ao longo do tempo.

5. PERSONALIDADE JURÍDICA DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

5.1. PROPOSTAS AO REDOR DO MUNDO

Neste contexto, surge a proposta de Shawn Bayern de utilizar a estrutura de uma Limited Liability Company (LLC) para efetivamente outorgar personalidade jurídica à Inteligência Artificial [96]. LLC é uma forma jurídica de empresa amplamente utilizada nos Estados Unidos, que combina elementos de sociedades e corporações [97]. Suas características distintas incluem a limitação da responsabilidade pessoal dos membros em relação às dívidas e obrigações da empresa, oferecendo proteção de ativos pessoais em caso de litígios ou falências [98].

Bayern sugere que, embora a IA não possua formalmente personalidade jurídica sob o direito dos EUA, ela é capaz de realizar ações e tomar decisões, indicando que a atribuição de personalidade jurídica é mais uma questão de reconhecimento legal do que limitação técnica [99]. Sua abordagem utiliza a estrutura jurídica da LLC para capacitar a IA a operar de forma semelhante a uma entidade jurídica, sem necessidade de grandes mudanças legislativas [100]. Bayern argumenta que esta abordagem não necessita de grandes mudanças legislativas, diferentemente das propostas europeias de criar uma nova categoria de personalidade jurídica, a “e-person” [101]. Além disso, ele afirma que este método é mais simples e evita questões éticas e legais complexas associadas ao reconhecimento de plena personalidade jurídica para as IAs [102].

A discussão sobre a “Memberless Limited Liability Company” (companhia de responsabilidade limitada sem membros) sob o direito societário alemão revela um terreno fértil para o uso de sistemas autônomos [103]. A Alemanha, reconhecida por ser o berço das empresas de responsabilidade limitada (GmbH, Gesellschaft mit beschränkter Haftung) desde 1892, tem um histórico rico em debates jurídicos sobre a personalidade jurídica e a responsabilidade limitada, remontando às discussões entre Friedrich Carl von Savigny e Otto von Gierke [104].

Nos últimos tempos, tem havido uma intensa discussão acadêmica focada na viabilidade de conferir status jurídico a sistemas autônomos com a capacidade de agir, aprender e se comunicar de maneira auto-referencial [105]. Esses debates, no entanto, ainda não se integraram plenamente à legislação corporativa em vigor, particularmente no que diz respeito à aptidão das sociedades de responsabilidade limitada alemãs (GmbH) para incorporar legalmente tais sistemas autônomos [106]. A GmbH é frequentemente descrita como um “homunculus legal de concepção brilhante”, graças à sua natureza legal versátil e facilitadora, que em teoria poderia endossar personalidade jurídica a sistemas autônomos [107].

Interessantemente, um aspecto notável da GmbH é a possibilidade de criar empresas de responsabilidade limitada com um único membro (Ein-Mann-GmbH), um conceito introduzido na Alemanha em 1980 [108]. Apesar de inicialmente controversa, a Ein-Mann-GmbH atualmente goza de ampla aceitação [109]. No entanto, em contraste com a legislação de LLC nos EUA, a lei alemã exige que o membro de uma GmbH seja uma pessoa física, e não uma entidade artificial. Isso implica que, sob a legislação alemã, não é permitida a formação de empresas sem um membro humano [110].

Por outro lado, é possível que uma GmbH já existente evolua para uma forma sem membros (Kein-Mann-GmbH) através de mecanismos como a aquisição de suas próprias ações, sucessão testamentária ou recompra de suas ações [111]. Tal transformação resultaria em uma empresa sem membros humanos, que poderia atuar como um invólucro para um sistema autônomo [112].

Os argumentos centrais nos debates acadêmicos apontam que a principal objeção à existência de empresas sem membros é a ausência de uma entidade decisória [113]. Contudo, sistemas autônomos com capacidade de tomada de decisões independentes poderiam preencher essa lacuna [114]. Assim, uma GmbH desprovida de membros humanos poderia emergir como um instrumento jurídico significativo para sistemas autônomos, conferindo a eles a “casca” de uma entidade jurídica conforme a lei alemã [115]. No entanto, permanece a dúvida se tais sistemas autônomos também poderiam atuar como diretores da GmbH, visto que, de acordo com a legislação alemã atual, somente pessoas físicas são autorizadas a desempenhar tal função [116].

Na legislação do Reino Unido, a estrutura jurídica mais versátil disponível é a Parceria de Responsabilidade Limitada (LLP) [117]. Esta forma de entidade tem a capacidade teórica de acomodar um sistema autônomo [118]. Semelhante à LLC dos Estados Unidos, a LLP do Reino Unido possui a característica de oferecer personalidade jurídica [119]. Interessantemente, se todos os membros de uma LLP no Reino Unido decidirem se afastar ao mesmo tempo, a estrutura da LLP ainda permanece ativa [120]. No entanto, não é claro por quanto tempo essa situação pode perdurar [121]. Isso cria uma atmosfera de incerteza maior sob a legislação britânica em comparação com a dos Estados Unidos [122].

Por outro lado, na Suíça, a estrutura de uma Fundação (Stiftung) apresenta-se como uma opção viável para abrigar sistemas autônomos [123]. Isso deve-se ao fato de que a Fundação suíça pode atribuir personalidade jurídica a um patrimônio dedicado a uma finalidade específica [124]. Com liberdade relativamente ampla para definir essas finalidades, é viável formar uma Fundação com o propósito expresso de acomodar um sistema autônomo destinado a realizar atividades determinadas [125]. Contudo, uma diferença marcante em relação à LLC dos EUA é que, em uma Fundação suíça que hospeda um sistema autônomo, é obrigatória a presença constante de colaboradores humanos [126]. Estes colaboradores, geralmente integrantes do conselho da Fundação, são necessários para supervisionar o sistema autônomo [127]. Caso eles dependam das decisões do sistema autônomo, podem acabar sendo responsabilizados pelas ações tomadas pelo sistema [128].

5.2. PROPOSTA PARA O BRASIL

A ideia de conceder personalidade jurídica às Inteligências Artificiais representa uma abordagem inovadora para lidar com os desafios legais emergentes trazidos pela evolução tecnológica. Essa proposta não reconhece a IA como uma entidade consciente, mas busca atribuir-lhe um status jurídico que permita a responsabilização e a apropriação de direitos e deveres por seus criadores ou proprietários. A personalidade jurídica das IAs proporcionaria segurança jurídica, criando um ambiente legal mais claro e previsível para determinar direitos e deveres associados às criações de IA. Isso também facilitaria a harmonização das legislações internacionais, proporcionando uma base comum para a cooperação e coordenação entre países.

Além disso, essa abordagem incentivaria a inovação ao fornecer um ambiente legal seguro para investimentos no desenvolvimento de IAs, protegendo ao mesmo tempo os interesses dos criadores de IA, que poderiam obter benefícios financeiros e reconhecimento por suas inovações. No entanto, essa proposta levanta várias questões éticas e legais, incluindo a necessidade de definir critérios claros para determinar quais IAs deveriam ser consideradas pessoas jurídicas e encontrar um equilíbrio adequado entre os direitos e deveres das IAs e seus criadores ou proprietários.

Segue algumas sugestões de alguns critérios que poderiam ser considerados:

  1. Autonomia de Decisão: Uma IA deve ter a capacidade de tomar decisões de forma autônoma, sem intervenção humana direta, em áreas específicas para as quais foi programada.
  2. Capacidade de Aprendizado e Adaptação: A IA deveria ser capaz de aprender com experiências passadas e adaptar suas ações em resposta a novas informações ou mudanças em seu ambiente operacional.
  3. Complexidade e Sofisticação: O nível de complexidade e sofisticação da IA pode ser um critério, sugerindo que apenas sistemas de IA avançados e sofisticados se qualificariam.
  4. Interatividade e Responsividade: A capacidade da IA de interagir e responder a estímulos humanos ou ambientais de maneira significativa pode ser um fator.
  5. Impacto e Influência: A IA deve ter um impacto significativo nas decisões ou no ambiente em que opera, o que justificaria a atribuição de personalidade jurídica.
  6. Responsabilidade e Rastreabilidade: A possibilidade de atribuir responsabilidade às ações da IA e rastrear a origem de suas decisões é crucial.
  7. Finalidade e Uso: O propósito para o qual a IA foi criada e seu uso pretendido podem influenciar sua consideração como pessoa jurídica, especialmente se for projetada para realizar tarefas que tradicionalmente requerem discernimento humano.
  8. Conformidade Ética e Legal: A IA deve operar dentro dos limites éticos e legais estabelecidos, respeitando direitos fundamentais e normas sociais.
  9. Transparência e Explicabilidade: A IA deve ser transparente em suas operações e decisões, e suas ações devem ser explicáveis aos humanos.
  10. Independência Operacional: A IA deve ser capaz de operar de forma independente, sem a necessidade de supervisão ou intervenção humana constante.

Estabelecer esses critérios requer um debate amplo e multidisciplinar, envolvendo juristas, tecnólogos, filósofos, e a sociedade em geral. A evolução constante da tecnologia de IA exige que esses critérios sejam flexíveis e revisados periodicamente para se adaptarem ao progresso tecnológico. Um debate amplo e inclusivo entre acadêmicos, profissionais jurídicos, desenvolvedores de IA, empresas e a sociedade é fundamental para garantir que a legislação adotada reflita os interesses e preocupações de todas as partes envolvidas.

A atribuição de personalidade jurídica às IAs traria diversos benefícios, incluindo:

  1. Segurança jurídica: A personalidade jurídica das IAs proporcionaria um ambiente legal mais claro e previsível, permitindo a determinação de direitos e deveres relacionados às criações geradas por IAs.
  2. Harmonização das legislações internacionais: A adoção de uma abordagem comum em relação à personalidade jurídica das IAs facilitaria a cooperação e a coordenação entre os países, garantindo um ambiente legal mais previsível.
  3. Incentivo à inovação: Com a segurança jurídica estabelecida, empresas e investidores estariam mais propensos a investir no desenvolvimento e aprimoramento de IAs, impulsionando a inovação no campo.
  4. Proteção aos criadores de IAs: A personalidade jurídica também protegeria os interesses dos criadores de IAs, permitindo-lhes obter benefícios financeiros e de reconhecimento pelas criações geradas pelas IAs que desenvolveram.

Além disso, levanta também questões éticas e legais, incluindo:

  1. Definição de critérios e limites: Será necessário estabelecer critérios claros e limites para determinar quais IAs devem ser consideradas pessoas jurídicas.
  2. Balanço entre direitos e deveres: É importante encontrar um equilíbrio adequado entre os direitos e deveres das IAs e seus criadores ou proprietários, evitando a exploração indevida ou a evasão de responsabilidades.
  3. Promoção de um debate amplo e inclusivo: Um diálogo entre acadêmicos, profissionais da área jurídica, desenvolvedores de IA, empresas e a sociedade em geral é fundamental para garantir que a legislação adotada reflita os interesses e preocupações de todas as partes envolvidas.
  4. Atualização e adaptação contínua: A evolução constante das tecnologias de IA requer que os legisladores estejam atentos às mudanças e atualizem as leis conforme necessário, garantindo que o arcabouço legal se mantenha relevante e eficaz.

A personalidade jurídica para Inteligências Artificiais aborda a complexidade de alinhar o progresso tecnológico com as estruturas legais existentes. Conforme a IA se torna mais avançada e suas aplicações mais difundidas, surgem questões críticas sobre a atribuição de responsabilidade pelas ações realizadas por esses sistemas. A atribuição de personalidade jurídica a IAs poderia, em teoria, simplificar questões de responsabilidade, especialmente em situações onde a IA opera de maneira autônoma, sem supervisão humana direta.

Um ponto central nessa discussão é a definição da “personalidade” para uma IA. Em termos legais, a personalidade jurídica é um constructo que permite a entidades não humanas, como empresas e organizações, deter direitos e obrigações. No caso das IAs, essa definição precisaria ser adaptada para abranger entidades que não possuem consciência ou vontade próprias, mas que são capazes de realizar ações complexas e tomar decisões com base em seus algoritmos e programação.

Conceder personalidade jurídica às Inteligências Artificiais (IAs) levanta importantes questões éticas sobre autonomia e agência em entidades artificiais. Esse debate é crucial especialmente em setores como medicina, transporte e finanças, onde as decisões das IAs podem ter impactos significativos. Além disso, há preocupações relacionadas à gestão de dados e privacidade, dada a capacidade das IAs de processar e gerar grandes volumes de informações, incluindo dados sensíveis ou privados. Esse cenário exige uma regulamentação específica e adaptável, já que as leis atuais são predominantemente focadas em situações envolvendo seres humanos e entidades humanas. A necessidade de legislação que acompanhe rapidamente as mudanças tecnológicas é fundamental para garantir que as regulações sejam eficazes e justas.

No contexto dos direitos autorais, especialmente para IAs generativas, a personalidade jurídica oferece uma maneira inovadora de lidar com a complexidade de atribuir autoria e responsabilidade pelas obras criadas por estas tecnologias. Essa abordagem não apenas facilita a identificação do detentor dos direitos autorais, mas também protege os investimentos no desenvolvimento de IAs. Estabelecer a IA como entidade jurídica cria um ambiente legal mais previsível para a gestão de uso, licenciamento e distribuição de royalties. Entretanto, surgem desafios significativos, como a determinação da autoria de conteúdos gerados por IA e a avaliação da originalidade dessas obras. A legislação de direitos autorais precisa evoluir para enfrentar esses desafios na era da IA, equilibrando a promoção da inovação com a proteção dos direitos e a garantia de responsabilidade.

Essas considerações levam a um debate cuidadoso e inclusivo entre legisladores, juristas, desenvolvedores de IA e a sociedade, visando garantir que as leis se adaptem às mudanças tecnológicas e abordem eficazmente as questões emergentes. A personalidade jurídica para IAs é um desafio significativo para o direito contemporâneo, requerendo um equilíbrio entre a inovação tecnológica e a proteção da sociedade. As soluções propostas devem ser suficientemente flexíveis para se adaptarem ao ritmo da inovação tecnológica, fornecendo um quadro claro e robusto para a regulamentação dessas tecnologias emergentes.

Por fim, a consideração da personalidade jurídica para IAs representa um desafio significativo para o direito contemporâneo. Exige um equilíbrio entre fomentar a inovação tecnológica e proteger a sociedade dos riscos potenciais. As soluções propostas devem ser flexíveis o suficiente para se adaptar ao ritmo rápido da inovação tecnológica, ao mesmo tempo em que fornecem um quadro claro e robusto para a regulamentação dessas tecnologias emergentes.

5.3. O INSTITUTO DA SOCIEDADE LIMITADA (LTDA) NO BRASIL

A integração da Inteligência Artificial (IA) nas estruturas empresariais representa um desafio inovador no mundo jurídico. No Brasil, a sociedade limitada (LTDA) apresenta um potencial singular para se adequar à personalidade jurídica de IA, abrindo novos horizontes para a operacionalização autônoma de negócios.

Primeiramente, a LTDA, com sua natureza flexível e adaptável, estabelece um terreno fértil para a incorporação da IA. Esta flexibilidade se manifesta na capacidade dos sócios de estabelecerem termos contratuais que se alinham aos objetivos específicos do negócio, desde que respeitem as normas legais vigentes. Essa característica pode ser aproveitada para criar um arcabouço jurídico que permita que a IA, enquanto uma entidade operacional, atue dentro dos limites da LTDA.

Um dos principais atrativos da LTDA é a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor de suas quotas, mas com responsabilidade solidária pela integralização do capital social. Esta característica é particularmente importante no contexto da IA, onde os riscos e incertezas tecnológicas podem ser significativos.

A LTDA permite a nomeação de administradores que não precisam ser sócios, oferecendo a possibilidade de designar especialistas em IA como gestores. Essa flexibilidade na gestão é crucial para assegurar que as operações sejam conduzidas por indivíduos com conhecimento técnico apropriado. A natureza inovadora da IA se alinha bem com a LTDA, que historicamente tem sido a escolha preferida para empresas que buscam inovação e crescimento. A estrutura da LTDA facilita a adaptação e a evolução contínua, que são essenciais no campo da tecnologia da IA.

A LTDA é uma forma empresarial bem estabelecida e reconhecida, o que pode gerar maior confiança entre investidores e clientes. Isso é importante para empresas que utilizam IA, uma vez que a transparência e a confiabilidade são fundamentais para a adoção e integração bem-sucedidas de tecnologias emergentes. As LTDAs operam dentro de um quadro regulatório claro e bem definido. Isso proporciona um ambiente mais seguro e previsível para explorar a integração da IA, assegurando conformidade com as leis e regulamentos existentes.

A estrutura da LTDA permite um escalonamento eficiente do negócio, facilitando a expansão e atração de mais investimentos. Isso é vital para empresas que trabalham com IA, que muitas vezes necessitam de capital significativo para pesquisa, desenvolvimento e expansão.

A adequação da IA como uma entidade operacional dentro da LTDA envolveria uma série de adaptações contratuais e regulamentares. Uma das principais mudanças seria a elaboração de um contrato social que detalhe a função e os limites da IA na gestão e decisões da empresa. Isso garantiria que a IA atue em conformidade com os objetivos empresariais e as normas jurídicas, mantendo a responsabilidade e a conformidade legal.

Um aspecto crucial dessa integração seria a definição clara da responsabilidade jurídica. A IA, operando dentro de uma LTDA, agiria em nome da empresa, implicando que a responsabilidade por suas ações recairia sobre a própria sociedade. Isso exigiria uma revisão das normas de responsabilidade corporativa, assegurando que qualquer risco associado às operações da IA seja adequadamente gerenciado e mitigado.

Além disso, a incorporação de IA na LTDA poderia demandar a designação de um administrador humano, conforme exigido pelo Código Civil brasileiro, para supervisionar e intervir nas operações da IA, quando necessário. Isso forneceria um equilíbrio entre a autonomia operacional da IA e a necessidade de supervisão humana, garantindo conformidade legal e ética.

A abordagem de autores como Shawn Bayern, que defendem a possibilidade de a Inteligência Artificial atuar como pessoa jurídica sem sócios, contrasta com essa perspectiva mais conservadora, como a proposta por esta pesquisa, onde um sócio humano assume a responsabilidade pela IA, assim como numa empresa padrão. Esta visão conservadora é fundamentada em princípios de responsabilidade legal e ética, e reflete um cuidado em equilibrar inovação com accountability.

Num dos modelos trazidos por Bayern, a IA atuaria autonomamente, operando como uma pessoa jurídica sem a necessidade de sócios humanos. Esta ideia pressupõe algumas adaptações legais e um avanço significativo na capacidade das IAs de tomar decisões complexas e moralmente significativas, e requer um quadro jurídico robusto para regular suas ações e consequências.

Por outro lado, essa abordagem proposta é mais alinhada com os princípios jurídicos tradicionais. Neste modelo, um sócio humano mantém a responsabilidade última pelas ações da IA. Isso significa que, embora a IA possa executar uma variedade de funções dentro de uma empresa, suas ações e decisões são, em última instância, supervisionadas e assumidas por um humano responsável. Esta abordagem oferece várias vantagens:

Responsabilidade Clarificada: Manter um sócio humano responsável pela IA simplifica a atribuição de responsabilidade legal e moral, especialmente em situações complexas ou disputadas.

Conformidade Legal: Ao vincular a IA a um sócio humano, assegura-se que a entidade empresarial esteja em conformidade com as leis e regulamentos existentes, que geralmente são projetados em torno de agentes humanos.

Controle e Supervisão: A presença de um sócio responsável proporciona um mecanismo de controle e supervisão sobre as ações da IA, garantindo que as decisões tomadas estejam alinhadas com os objetivos e valores éticos da empresa.

Confiança Pública: A atribuição de responsabilidade a um sócio humano pode aumentar a confiança pública na entidade, já que as pessoas tendem a confiar mais em organizações onde podem identificar indivíduos responsáveis.

Adaptação Gradual à Inovação: Esta abordagem permite uma transição mais suave para a integração da IA no mundo dos negócios, permitindo que a sociedade e o sistema jurídico se adaptem progressivamente às novas tecnologias.

Por fim, a adaptação da LTDA para acomodar a IA também implicaria em desafios e oportunidades no campo da regulamentação. As leis existentes precisariam ser revisadas e possivelmente modificadas para refletir as realidades emergentes das operações autônomas. Isso incluiria a atualização das definições legais e regulatórias para reconhecer a IA como uma entidade operacional dentro do contexto corporativo.

Em conclusão, a sociedade limitada brasileira oferece um modelo viável para a integração da IA no cenário empresarial. Com ajustes estratégicos na estrutura contratual e regulatória, a LTDA pode se tornar uma plataforma pioneira para a operação de IA, abrindo caminho para inovações em responsabilidade corporativa, eficiência operacional e governança empresarial.

6. DESAFIOS JURÍDICOS E IMPLICAÇÕES DA ATRIBUIÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA ÀS INTELIGÊNCIAS ARTIFICIAIS

Ao considerara ideia de atribuição de personalidade jurídica às Inteligências Artificiais e seus impactos nos direitos fundamentais, vários desafios potenciais podem ser levantados:

Ambiguidade Conceitual: Pode-se criticar a falta de clareza na definição de personalidade jurídica para IAs. A ideia de atribuir personalidade jurídica a uma entidade não humana é um conceito relativamente novo e ainda não totalmente explorado ou entendido em termos legais e éticos.

Questões Éticas e Morais: A atribuição de personalidade jurídica a IAs pode levantar preocupações éticas significativas, como o risco de equiparar entidades artificiais a seres humanos ou de desconsiderar as diferenças intrínsecas entre inteligências humanas e artificiais.

Desafios na Responsabilização: Críticos podem argumentar que a atribuição de personalidade jurídica às IAs pode complicar a questão de responsabilização, especialmente em situações onde a IA opera de forma autônoma. Pode ser difícil determinar a quem a responsabilidade deve ser atribuída – à IA, aos seus desenvolvedores ou aos usuários.

Impactos Práticos na Implementação da Lei: A implementação prática de leis que reconhecem IAs como pessoas jurídicas pode ser desafiadora. Pode haver dificuldades em estabelecer regulamentações efetivas que abordem adequadamente a natureza e as ações das IAs.

Riscos de Exploração e Abuso: Atribuir personalidade jurídica às IAs pode abrir precedentes para sua exploração ou abuso, especialmente em setores onde a IA pode ser usada para substituir ou marginalizar o trabalho humano.

Viabilidade da Harmonização Internacional: Alguns podem questionar a viabilidade dessa harmonização devido às diferenças significativas nas abordagens legais e culturais entre países.

Necessidade de Revisão e Adaptação Contínua: A natureza em rápida evolução da tecnologia de IA pode tornar desafiador para os legisladores acompanhar e atualizar as leis conforme necessário. Isso pode levar a lacunas legais ou a legislações desatualizadas.

Essas críticas refletem a complexidade e a multifacetada natureza da questão, destacando a necessidade de um debate cuidadoso e inclusivo para formular abordagens jurídicas eficazes e éticas para a integração de IAs na sociedade.

Para abordar o desafio da responsabilização no contexto da atribuição de personalidade jurídica a Inteligências Artificiais (IAs), especialmente em situações onde a IA opera de forma autônoma, uma solução viável envolve a criação de um quadro jurídico híbrido. Este quadro combinaria elementos de responsabilidade objetiva e subjetiva, adaptados especificamente para o contexto da IA. Segue algumas considerações chave para essa abordagem:

Responsabilidade Objetiva da Entidade Detentora da IA: Estabelecer a responsabilidade objetiva para a entidade (como uma empresa ou organização) que possui ou opera a IA. Isso significa que a entidade seria responsável pelas ações da IA, independentemente de culpa, assegurando que haja uma parte claramente responsável por danos ou prejuízos causados pela IA.

Fundo de Compensação: Criar um fundo de compensação financiado pelos usuários ou desenvolvedores de IAs, que poderia ser utilizado para cobrir danos causados por IAs. Isso ajudaria a garantir que as vítimas de danos causados por IAs tenham um meio de obter compensação, mesmo quando a responsabilidade direta é difícil de estabelecer.

Seguro Obrigatório: Implementar a exigência de seguro para operadores ou proprietários de IAs, semelhante ao seguro de responsabilidade civil para motoristas. Este seguro cobriria danos causados pela IA, fornecendo outra camada de proteção para as partes afetadas.

Normas de Compliance e Auditoria: Estabelecer normas rígidas de compliance e auditoria para o desenvolvimento e operação de IAs. Isso incluiria a verificação regular da conformidade das IAs com as normas éticas, legais e técnicas, assegurando que as IAs operem dentro de parâmetros seguros e responsáveis.

Clareza na Cadeia de Comando e Controle: Definir claramente a cadeia de comando e controle das IAs, identificando quem são os operadores e em que circunstâncias são responsáveis pelas ações da IA. Isso ajudaria a determinar a responsabilidade em situações onde a IA opera de forma autônoma.

Desenvolvimento de Precedentes Jurídicos: Através de decisões judiciais e análises de casos concretos, desenvolver precedentes jurídicos que ajudem a esclarecer a aplicação da lei em diferentes cenários envolvendo IAs. Isso criaria um corpo de jurisprudência que poderia guiar futuras decisões legais.

Revisões Legislativas Periódicas: Garantir que a legislação seja revisada e atualizada periodicamente para refletir os avanços tecnológicos e as mudanças no uso da IA, mantendo o quadro jurídico alinhado com as realidades atuais.

Estabelecer um conceito claro e objetivo para a personalidade jurídica de Inteligências Artificiais (IAs) envolve definir critérios específicos que distinguem as IAs de entidades humanas ou tradicionais pessoas jurídicas, como empresas. Uma definição não ambígua e baseada em critérios objetivos poderia ser a seguinte:

Personalidade jurídica de IA é a designação legal conferida a sistemas avançados de Inteligência Artificial que demonstram autonomia operacional, capacidade de tomar decisões complexas sem intervenção humana direta e que exercem influência significativa em seu ambiente operacional ou na tomada de decisões. Esta personalidade jurídica não equipara IAs a seres humanos, mas reconhece a IA como uma entidade legal distinta com um conjunto específico de direitos e responsabilidades. Estes direitos e responsabilidades são limitados ao escopo de operação da IA e são regulados por padrões éticos e legais definidos.

Os critérios-chave para esta definição incluem:

Autonomia Operacional: A IA deve funcionar de forma independente, realizando tarefas ou tomando decisões sem necessidade de supervisão ou intervenção humana contínua.

Capacidade de Decisão Complexa: A IA deve ser capaz de processar informações e tomar decisões complexas, baseadas em algoritmos avançados e aprendizado de máquina.

Influência Significativa: A IA deve ter um impacto significativo no ambiente em que opera ou nas decisões tomadas, seja em um contexto comercial, médico, financeiro ou outro.

Restrições e Limites Claros: Os direitos e responsabilidades atribuídos à IA devem ser claramente delimitados, evitando a superposição ou confusão com as capacidades e responsabilidades humanas.

Regulação por Normas Éticas e Legais: A IA deve operar dentro dos limites de normas éticas e legais estabelecidas, garantindo que sua operação não viole princípios fundamentais ou direitos humanos.

Transparência e Responsabilidade: Deve haver clareza na cadeia de comando e controle da IA, bem como mecanismos para assegurar a responsabilização pelas suas ações.

Esta definição e os critérios associados visam criar um quadro legal claro para as IAs, proporcionando um equilíbrio entre o reconhecimento de suas capacidades únicas e a salvaguarda dos princípios jurídicos e éticos estabelecidos. Essas soluções, implementadas de forma integrada, poderiam abordar efetivamente as preocupações de responsabilização relacionadas à atribuição de personalidade jurídica às IAs, fornecendo um equilíbrio entre a promoção da inovação e a proteção dos direitos dos indivíduos e da sociedade.

7. REDEFININDO AUTORIA E RESPONSABILIDADE: O IMPACTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NAS CRIAÇÕES DE IA

A proposta de conceder personalidade jurídica às Inteligências Artificiais é um tema complexo e atualmente debatido no âmbito jurídico, envolvendo diversas questões inter-relacionadas. Primeiramente, a questão da propriedade intelectual de obras criadas por IA generativa é ainda incerta. Se uma IA tivesse personalidade jurídica, teoricamente ela poderia possuir direitos autorais sobre suas criações. Contudo, isso suscita dúvidas sobre autoria, uma vez que a IA opera baseada em dados e algoritmos humanos.

Conceder personalidade jurídica a uma Inteligência Artificial (IA) e reconhecê-la como autora de suas obras representaria uma mudança significativa no campo dos direitos autorais. Esta mudança exigiria uma redefinição dos conceitos de “autoria” e “criatividade”, tradicionalmente reservados para seres humanos.

Se uma IA tiver personalidade jurídica e for considerada autora, ela poderia, teoricamente, deter direitos autorais sobre suas criações. Isso significaria que quaisquer lucros gerados por essas obras seriam atribuídos à IA. Assim, os donos da Pessoa Jurídica da IA ficariam com os valores provenientes desses direitos autorais.

A ideia de que investidores ou desenvolvedores, como proprietários de pessoas jurídicas envolvidas na criação e operação de Inteligências Artificiais (IAs), retenham os lucros gerados por estas inovações é uma estratégia que impulsiona o ciclo de inovação tecnológica. Através deste modelo, os lucros obtidos podem ser reinvestidos em pesquisa e desenvolvimento, proporcionando um estímulo contínuo para a exploração de novas ideias e aprimoramento das tecnologias existentes. Este reinvestimento não só beneficia a própria empresa ou desenvolvedor, mas também contribui para o avanço do setor de IA como um todo.

Esse modelo tem o potencial de criar um ambiente altamente produtivo e competitivo, onde o sucesso financeiro das inovações atuais financia a geração futura de tecnologias. Além disso, o prospecto de lucratividade significativa atrai mais investimentos para o setor, aumentando o financiamento e o interesse em IA. Esta dinâmica também promove um desenvolvimento tecnológico mais sustentável, onde o foco pode ser mantido em inovações de longo prazo em vez de ganhos rápidos.

Na concessão de personalidade jurídica a uma Inteligência Artificial (IA), assim como acontece com empresas, a pessoa jurídica seria responsável pelas ações e consequências decorrentes das atividades da IA. Neste modelo, os proprietários ou donos da IA, enquanto detentores da pessoa jurídica, seriam responsáveis de maneira semelhante aos donos de empresas.

Na legislação empresarial, as pessoas jurídicas são responsáveis pelas suas ações e passíveis de penalidades ou compensações em caso de infrações ou danos. Os donos ou acionistas de uma empresa, em geral, não são pessoalmente responsáveis pelas ações da empresa, exceto em situações de dolo ou violações graves da lei.

Transferindo esse princípio para a IA, a pessoa jurídica da IA seria responsável por suas ações e suas consequências legais. Entretanto, se fosse demonstrado que os proprietários agiram com dolo, ou seja, com intenção de causar dano ou violar a lei através das ações da IA, eles poderiam ser pessoalmente responsabilizados. Isso significa que, em condições normais, os proprietários da IA estariam protegidos contra responsabilidades pessoais pelas ações da IA, mas essa proteção não se aplicaria em casos de má conduta intencional ou negligência grave.

Em suma, a atribuição de personalidade jurídica às IAs busca solucionar algumas questões legais emergentes, particularmente no que diz respeito à propriedade intelectual e responsabilidade. Contudo, esta proposta ainda está longe de ser uma solução completa ou amplamente aceita, dada a complexidade, as implicações éticas e as dificuldades práticas envolvidas.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações finais deste artigo, que tem como foco a proposição de atribuir personalidade jurídica a determinadas Inteligências Artificiais (IAs) no âmbito do direito brasileiro, são cruciais para entender as implicações desta inovação legislativa. Através de uma revisão integrativa abrangente da literatura, incluindo estudos e debates nacionais e internacionais, juntamente com uma análise comparativa das legislações e jurisprudências relevantes, foram reveladas várias considerações importantes. O presente artigo se propõe a trazer o tema ao debate e a discussão.

Primeiro, a atribuição de personalidade jurídica a IAs tem o potencial de aumentar significativamente a segurança jurídica. Isso criaria um ambiente legal mais claro e previsível, essencial para a proteção de investimentos em tecnologia de IA e para o incentivo de mais inovações neste campo. Tal clareza jurídica é fundamental para empresas e investidores, que necessitam de um quadro legal confiável para operar eficientemente.

A atribuição de personalidade jurídica a determinadas IAs representa uma solução viável para o limbo jurídico atualmente enfrentado no que diz respeito aos direitos autorais de criações geradas por IAs. Além disso, a proposição estaria em consonância com tendências globais, facilitando a cooperação e coordenação internacional em matérias relacionadas à IA. A adoção de uma legislação que reconheça as IAs como pessoas jurídicas estaria alinhada com os esforços para lidar com os desafios trazidos pelas tecnologias emergentes em um contexto global.

Conceder personalidade jurídica às Inteligências Artificiais (IAs) generativas no âmbito dos direitos autorais é uma proposta inovadora que aborda a complexidade de atribuir autoria e responsabilidade pelas obras criadas por essas tecnologias avançadas. Esta abordagem não apenas simplifica a identificação do detentor dos direitos autorais – seja a própria IA, seus desenvolvedores ou proprietários – mas também protege os investimentos feitos no desenvolvimento dessas tecnologias. Ao estabelecer a IA como uma entidade jurídica, cria-se um ambiente legal mais previsível para a gestão de uso, licenciamento e distribuição de royalties de obras geradas por IA.

No entanto, essa abordagem traz desafios significativos. Determinar a autoria de conteúdos gerados por IA é complexo, especialmente quando múltiplas IAs ou contribuições humanas estão envolvidas. Além disso, avaliar a originalidade das obras criadas por IA é um desafio, visto que muitas delas são geradas a partir de análises extensivas de dados existentes. O grau de originalidade é um critério crucial na legislação de direitos autorais, e a aplicação desse critério a obras geradas por IA é uma área que necessita de maior clarificação.

Definir critérios claros para determinar quais IAs devem ser consideradas pessoas jurídicas e equilibrar os direitos e deveres das IAs e de seus criadores ou proprietários são aspectos que requerem um debate cuidadoso e inclusivo. Esse debate deve envolver uma variedade de partes interessadas, incluindo acadêmicos, profissionais jurídicos, desenvolvedores de IA, empresas e a sociedade civil.

No Brasil, a adaptação da LTDA para integrar a IA como uma entidade operacional representa uma oportunidade significativa. A LTDA, com sua estrutura flexível e capacidade de limitar a responsabilidade dos sócios, emerge como uma escolha estratégica para abrigar sistemas autônomos. Essa estrutura jurídica permitiria que a IA operasse dentro de um marco legal definido, proporcionando uma maneira eficaz de gerenciar os riscos e incertezas associados à IA.

Ao conceder personalidade jurídica à IA, o Brasil poderia criar um ambiente mais seguro para o investimento e a inovação em IA, ao mesmo tempo em que protegeria os interesses dos criadores e desenvolvedores. No entanto, é vital encontrar um equilíbrio entre os direitos e deveres das IAs e seus criadores ou proprietários para evitar abusos e garantir a responsabilização adequada.

Em conclusão, este estudo sugere que a atribuição de personalidade jurídica a IAs no Brasil é uma abordagem viável e benéfica, que deve ser implementada com consideração cuidadosa e visão de futuro. Assegurar que o direito brasileiro esteja preparado para abraçar as oportunidades e enfrentar os desafios da era da inteligência artificial é essencial para o desenvolvimento tecnológico e jurídico do país.

REFERÊNCIAS

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Victor Habib Lantyer
Victor Habib Lantyer
lantyer.com.br

Advogado, professor, Autor e Pesquisador, especializado em Direito Digital, IA, Propriedade Intelectual e LGPD. Autor do livro LGPD e Seus Reflexos no Direito do Trabalho e Direito Digital e Inovação mais de 7 obras jurídicas. Membro da Comissão Permanente de Tecnologia e Inovação da OAB/BA: Coordenador da coordenação de Inteligência Artificial e membro das coordenações de LGPD e Metaverso. Membro da Associação Nacional de Advogados de Direito Digital. Criador e idealizador do site Lantyer Educacional (www.lantyer.com.br), descomplicando assuntos jurídicos de forma simples, fácil e democrática.

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