O novo sucesso de público e de crítica da Apple TV+, a série Ruptura, considerada uma das melhores série de 2022, debate o que aconteceria se houvesse uma separação entre nossas memórias do trabalho e da vida pessoal. Quando estamos no trabalho, não lembramos nada da vida pessoal, e quando estamos na nossa vida pessoal, não recordamos nada acerca do trabalho.
1. A SÉRIE RUPTURA
Dirigida por Ben Stiller e criada por Dan Erickson, Ruptura é uma história de ficção cientifica e suspense, trazendo um mundo distópico marcado pela tecnologia, lembrando muito Black Mirror da Netflix.
Através dos personagens Mark (Adam Scott), Helly (Britt Lower), Irving (John Turturro) e Dylan (Zach Cherry), surgem diversas discussões políticas, filosóficas e éticas acerca deste procedimento de ruptura das memorias. Isolando as lembranças da vida pessoal, cria-se uma nova persona no trabalho, que não sabe nada sobre sua vida, se é casado, quais seus hobbies, se tem filhos, ou onde vive. Essa persona do trabalho vai criando novos gostos e preferências, pois não tem a base de memorias e de bagagens do passado. O que é feito dentro do trabalho dos protagonistas na Lumen Industries é um dos grandes mistérios da história, que te hipnotiza até o final da série.
Ao decorrer da série, a persona do trabalho acaba se tornando um escravo da empresa, preso num loop de trabalho eterno, condenado a existir para trabalhar. A empresa não deixa o funcionário na vida pessoal saber que o do trabalho está insatisfeito ou infeliz com a vida laboral.
Em tempos de esgotamento físico e mental decorrente do trabalho, principalmente após o período da pandemia do coronavírus no mundo, a série traz um debate extremamente pertinente acerca da saúde no trabalho.
2. O DIREITO BRASILEIRO
Trazendo para nossa realidade: dentro do direito brasileiro, a empresa tem responsabilidade em relação ao bem-estar e a saúde dos empregados?
A resposta é sim!
De acordo com o Dicionário Dicio, bem-estar significa boa disposição física, psicológica ou espiritual; satisfação; estado da pessoa tranquila, de quem está seguro ou confortável; tranquilidade; reunião de elementos que causam satisfação (boa saúde, segurança, estabilidade financeira, conforto etc.)
O empregador deve garantir a reunião de elementos e de fatores que proporcionem um ambiente de trabalho seguro, saudável e confortável, para que o empregado possa exercer sua função de forma sustentável.
A nossa Constituição Federal equipara o meio ambiente ao meio ambiente do trabalho no quesito de proteção. Determina a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Outro ponto relevante é que o Brasil é signatário da Convenção 155/1981 da OIT, que regulamenta segurança e saúde dos trabalhadores, tendo como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho ou que tenham relação com a atividade de trabalho.
Toda doença ou acidente relacionado ao trabalho é de responsabilidade do empregador. O afastamento por mais de quinze dias do trabalho em decorrência de acidente ou doença ocupacional, ocasiona o direito ao benefício previdenciário, bem como estabilidade empregatícia quando do retorno ao trabalho, não podendo ser demitido durante o período de 12 meses. O funcionário só poderá ser demitido nas hipóteses de justa causa.
3. O AMBIENTE DE TRABALHO
A CLT determina que se as condições de ambiente se tornarem desconfortáveis, em virtude de instalações geradoras de frio ou de calor, será obrigatório o uso de vestimenta adequada para o trabalho em tais condições ou de capelas, anteparos, paredes duplas, isolamento térmico e recursos similares, de forma que os empregados fiquem protegidos contra as radiações térmicas.
O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.
Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
De acordo com o dicionário Oxford Languages, a palavra Insalubre significa algo que não é bom para a saúde, algo que causa doença. Quando o ambiente de trabalho expor o trabalhador a agentes nocivos, o empregado terá direito a um adicional compensatório pelo risco a qual está exposto.
Podemos exemplificar alguns agentes insalubres mais comuns:
- Calor excessivo;
- Frio excessivo;
- Luz excessiva;
- Exposição a condições de oxigênio reduzidas, poeiras minerais ou a ar contaminado;
- Agentes biológicos;
- Ruídos contínuo, intermitente ou de impacto;
- Excesso de vibrações;
- Excesso de Umidade;
- Radioatividade;
- Condições hiperbáricas (sujeito a pressões maiores do que a atmosférica);
- Produtos químicos ou tóxicos;
- Fogo;
- Energia elétrica;
- Maquinário pesado.
A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá:
- Com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância;
- Com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância
Conforme entendimento do TST, através de sua Súmula nº 80, a eliminação da insalubridade mediante fornecimento de aparelhos protetores aprovados pelo órgão competente do Poder Executivo exclui a percepção do respectivo adicional. O fornecimento de equipamentos de proteção que eliminem o risco à saúde do trabalhador, eximem a empresa de pagar o adicional de insalubridade.
Através da Súmula 289, o TST esclarece que o simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade. Cabe-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, entre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado.
A CLT, em seu artigo 193, estabelece ainda que o trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.
São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
- Inflamáveis, explosivos ou energia elétrica
- Roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
- São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta.
- Empregados que operam bomba de gasolina também tem direito ao adicional de periculosidade, conforme Súmula 39 do TST.
4. DEVERES DO EMPREGADOR
É dever do empregador proporcionar um ambiente de trabalho seguro, daí advindo a obrigação de compensar o empregado pelo risco ao qual está exposto em razão do ofício exercido.
No que se refere especificamente ao esgotamento físico e mental ou a chamada síndrome de Burnout, o Ministério da Saúde define a doença como:
(…) um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros. Traduzindo do inglês, “burn” quer dizer queima e “out” exterior. A Síndrome de Burnout também pode acontecer quando o profissional planeja ou é pautado para objetivos de trabalho muito difíceis, situações em que a pessoa possa achar, por algum motivo, não ter capacidades suficientes para os cumprir. Essa síndrome pode resultar em estado de depressão profunda e por isso é essencial procurar apoio profissional no surgimento dos primeiros sintomas. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
Caso qualquer empregado seja exposto a trabalho que proporcione esgotamento profissional, pode se enquadrar como doença ocupacional, fazendo jus a afastamento remunerado e estabilidade quando do retorno. E alguns casos, com o devido laudo médico comprovando, pode-se pedir aposentadoria por invalidez em razão da síndrome de burnout.
Caso você se veja em uma situação dessas (o que é bem provável), é possível denunciar as condições de trabalho ao Ministério Público do Trabalho (MPT) da sua cidade, bem como ao sindicato da sua categoria. Importante também que consulte um advogado, pois uma opinião profissional é preponderante num caso assim.
No caso da denuncia ao MPT, os seus dados pessoais informados ao registrar uma denúncia são sigilosos e não serão divulgados no curso de uma possível fiscalização. Caso seja uma denúncia específica de trabalho análogo ao de escravo, não é exigida a identificação do denunciante.
REFERÊNCIAS
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Síndrome de Burnout. Gov.Br, [s. l.], 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sindrome-de-burnout#:~:text=S%C3%ADndrome%20de%20Burnout%20ou%20S%C3%ADndrome,justamente%20o%20excesso%20de%20trabalho. Acesso em: 6 maio 2022.