O jurista e político italiano Stefano Rodotà foi o responsável pela criação da Teoria do Corpo Eletrônico, que consistiria no conjunto de informações nossas que existem na internet, que compõe um verdadeiro perfil autêntico da personalidade de cada um, um verdadeiro corpo eletrônico, que requer uma série de proteções jurídicas. O corpo eletrônico seria o conjunto de dados e informações que compõe nossa identidade, que remete a ideia do nosso corpo físico espelhado no mundo virtual, que é onde as informações estão (RODOTÀ, 2017).
A Teoria do Corpo Eletrônico, originalmente proposta por Stefano Rodotà, pode ser ampliada para refletir as complexas interações entre o indivíduo e o ambiente digital, incorporando elementos de identidade, privacidade, autonomia e interconectividade tecnológica. Esse conceito expande a noção de corpo eletrônico para abarcar não apenas a coleta e armazenamento de dados pessoais, mas também a maneira como esses dados são processados, analisados e utilizados para moldar a experiência individual e coletiva no ciberespaço.
O Corpo Eletrônico deve ser entendido como uma entidade dinâmica e multidimensional que não apenas reflete a identidade física de um indivíduo, mas também incorpora suas atividades, preferências, relações sociais e interações digitais. Essa entidade é continuamente moldada por algoritmos, inteligência artificial e redes neurais, que interpretam e respondem aos dados fornecidos pelo indivíduo, criando um ciclo de feedback que influencia comportamentos e decisões.
Além disso, o Corpo Eletrônico está intrinsecamente ligado a questões de autonomia e soberania digital. À medida que as tecnologias avançam, os indivíduos devem ter o direito de controlar e gerenciar seus dados, incluindo o consentimento informado sobre como suas informações são utilizadas e compartilhadas. A proteção jurídica do Corpo Eletrônico deve, portanto, garantir que os direitos à privacidade, à segurança e à autodeterminação informativa sejam respeitados e protegidos contra abusos e explorações.
O conceito ampliado também deve considerar a interconectividade tecnológica, onde o Corpo Eletrônico não é uma entidade isolada, mas parte de um ecossistema digital mais amplo que inclui outras pessoas, dispositivos inteligentes, sistemas de computação em nuvem e infraestruturas de rede. Isso cria um ambiente em que os dados do indivíduo podem ser agregados e analisados em conjunto com dados de outras fontes, potencializando tanto benefícios como riscos.
Neste contexto, a Teoria do Corpo Eletrônico deve abordar os desafios e as implicações éticas da vigilância digital, do perfilamento algorítmico e da potencial manipulação comportamental, assegurando que as proteções jurídicas sejam robustas o suficiente para acompanhar o ritmo das inovações tecnológicas. A regulação deve ser adaptativa e proativa, antecipando novos desafios e proporcionando um quadro legal que equilibre a inovação tecnológica com os direitos fundamentais do indivíduo.
Colombo e Faleiros Junior (2022) ensinam que hoje as pessoas absorvem a tecnologia em suas vidas, cruzando a realidade e o virtual, e o social e o individual, com cada vez mais pessoas vivendo na Internet, se entretendo nela, trabalhando, e pareando todos os acessórios de casa com ela. Esse é um fenômeno preponderante da sociedade da informação, sendo cada vez mais comum a migração dos atos da vida física para o mundo virtual e imaterial (COLOMBO, FALEIROS JUNIOR, 2022).
Exemplificamos com a virtualização dos pedidos de delivery, com aplicativos como Ifood e Rappi; o aluguel de carros se dá de forma virtual; consulta de serviços bancários da mesma forma; pedir um Uber ou um 99, apenas por aplicativo, conectado a internet. Isso torna evidente que quase todos os atos da vida civil têm sido transferidos do mundo material para o imaterial.
Com objetivo de evitar a exploração da pessoa, pela qual qualquer pessoa pode alcançar qualquer informação, assim, criando perfis individuais, familiares e grupais, tornando a vítima objeto de poder externo, podendo falsificá-la na rede, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proibiu fazer do corpo um objeto lucrativo (RODOTÀ, 2017). Esse fundamento trazido pela Carta se aplica ao corpo físico, mas pode ser estendido ao corpo eletrônico (RODOTÀ, 2017).
Esse princípio trazido pelo fundamento da União Europeia, foi traduzido em normatizações posteriores, principalmente acerca da proteção de dados no mundo todo, se destacando a própria Europa e o Brasil. Todos os direitos fundamentais a que se aplicam ao individuo no mundo físico, seja dignidade, liberdade e igualdade, se aplicam também ao corpo eletrônico. O objetivo de se criar uma figura, uma entidade virtual, é lhe conferir uma proteção jurídica, principalmente aos tão prezados direitos fundamentais.
É com fundamento nestas premissas, que as inovações tecnológicas têm capacidade de irradiar inúmeros efeitos sobre os institutos jurídicos tradicionais, proporcionando uma releitura de seus conceitos, se materializando dentro deste novo contexto da sociedade da informação (COLOMBO, FALEIROS JUNIOR, 2022). Sob a perspectiva do corpo eletrônico, pode-se aproximar a tutela dos direitos da personalidade do corpo físico aos aspectos digitais, garantindo a promoção do livre desenvolvimento da pessoa humana (COLOMBO, FALEIROS JUNIOR, 2022).
Os dados pessoais, que constituem o corpo eletrônico, devem ser protegidos para garantir a privacidade e a segurança do indivíduo. O vazamento de dados pode levar a graves consequências, como roubo de identidade, fraudes financeiras e outras formas de exploração. Assim, as legislações buscam garantir que os dados sejam coletados, armazenados e utilizados de maneira ética e transparente, conferindo aos indivíduos o controle sobre suas próprias informações.
Além disso, a teoria do corpo eletrônico enfatiza a importância da educação digital e da conscientização dos usuários sobre seus direitos e responsabilidades online. As pessoas devem ser capacitadas para entender como seus dados são utilizados e quais medidas podem tomar para proteger sua privacidade.
As tecnologias emergentes, como a inteligência artificial e a internet das coisas (IoT), ampliam ainda mais a necessidade de proteção jurídica no ambiente digital. Esses avanços trazem novos desafios e oportunidades para o direito digital, exigindo uma constante atualização das normas e uma vigilância ativa para proteger os direitos fundamentais no mundo virtual.
REFERÊNCIAS
COLOMBO, Cristiano; FALEIROS JUNIOR, José Luiz de Moura; ENGELMANN, Wilson. Tutela Jurídica do Corpo Eletrônico. São Paulo: Foco, 2022.
RODOTÀ, Stefano. A antropologia do homo dignus. Trad. Maria Celina Bodin de Moraes. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 6, n. 2, jan.-mar./2017. Disponível em: <http://civilistica.com/aantropologia-do-homo-dignus/>. Acesso em: 26 jul. 2022.
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