A disputa sobre a matéria-prima da era digital aterrissou no Brasil. O processo de direitos autorais da Folha vs. OpenAI marca um ponto de inflexão crucial. A Inteligência Artificial Generativa, afinal, é o novo prelo digital, capaz de replicar conhecimento em escala planetária. No entanto, a licença para usar essa “tinta” — o vasto acervo intelectual humano — está agora em feroz disputa nos tribunais.
Este artigo, portanto, disseca as bases desta ação. Ele a compara com seu principal precedente internacional. Além disso, oferece um arsenal de análise para o operador do direito que navega neste território inexplorado.
O Processo Folha vs. OpenAI: Alegações e Bastidores no Brasil
Em agosto de 2025, a Folha de S.Paulo ajuizou uma ação crucial em São Paulo. O processo foi movido contra a OpenAI na 3ª Vara Empresarial. Consequentemente, inaugurou no Judiciário brasileiro um debate de altíssima relevância. Este debate une tecnologia e propriedade intelectual. A ação não apenas espelha litígios internacionais, mas também os adapta à realidade jurídica nacional. Assim, estabelece um campo de batalha cujos desdobramentos serão observados por toda a indústria.

A Tese da Folha: Violação de Direitos Autorais e Concorrência Desleal
A petição inicial da Folha possui dois pilares centrais. Primeiramente, a violação massiva de direitos autorais. Em segundo lugar, a prática de concorrência desleal. A acusação principal é que a OpenAI coletou e utilizou o acervo jornalístico do veículo. Isso foi feito sem autorização ou remuneração para treinar seus modelos de linguagem, como o ChatGPT. Registros técnicos indicam uma extração sistemática de dados, com milhares de acessos por robôs da OpenAI ao site da Folha.
O argumento, contudo, vai além do treinamento. A Folha alega que o ChatGPT atua como um produto substituto. Ele fornece resumos e reproduções de reportagens, inclusive aquelas protegidas por paywall. Essa prática desvia a audiência do jornal e mina seu modelo de negócio. Portanto, configura concorrência desleal, pois a OpenAI lucra com um insumo pelo qual não pagou. Os pedidos são claros: interrupção do uso, destruição dos modelos e indenização, com multa diária de R$ 100 mil.
O “Segredo de Justiça”: Uma Batalha Processual Relevante
Uma das primeiras disputas no processo foi processual. A OpenAI requereu segredo de justiça para o caso. A empresa argumentou a necessidade de proteger segredos de indústria, com base no artigo 206 da Lei de Propriedade Industrial. A Folha, por outro lado, se opôs. Defendeu a publicidade dos atos e afirmou que o pedido visava evitar um “precedente perigoso”.
O juiz Fábio Henrique Prado de Toledo acatou o pedido da OpenAI. Ele considerou que a complexidade técnica justificava a medida para assegurar a ampla defesa. Embora processual, essa decisão tem profundas implicações. A batalha pela confidencialidade cria uma assimetria de informação. Isso torna mais difícil para a Folha provar como seu conteúdo foi utilizado. A decisão, em suma, desloca o debate de uma esfera pública para um embate técnico a portas fechadas.
O Contexto Global: Como o Caso do New York Times Define o Campo de Batalha
A ação da Folha não é um evento isolado. Pelo contrário, ela é a tempestade que se formou no exterior e agora chega ao Brasil. O principal precedente é a ação movida pelo The New York Times contra a OpenAI e a Microsoft em dezembro de 2023. Este caso promete ser um dos mais importantes da história da propriedade intelectual.
A Doutrina do “Fair Use”: O Principal Escudo da OpenAI nos EUA
Nos Estados Unidos, a principal defesa da OpenAI é a doutrina do fair use (uso justo). Esta exceção ao direito autoral permite o uso de obras protegidas sob certas condições. A análise considera quatro fatores, como o propósito do uso e o efeito sobre o mercado da obra original.
A OpenAI argumenta que o uso de conteúdo para treinar IA é transformativo. Ou seja, o propósito não é republicar, mas extrair padrões para construir um sistema novo. O NYT, no entanto, contesta essa visão. O jornal demonstra que os resultados do ChatGPT podem competir diretamente com seu produto original.
Danos Bilionários e a Prova da Cópia “Verbatim”
A magnitude do caso do NYT é imensa. O jornal alega que milhões de seus artigos foram copiados. Por isso, busca uma indenização que pode chegar a bilhões de dólares em danos estatutários.
A prova mais forte do NYT são os exemplos de cópia verbatim (palavra por palavra). Em muitos casos, o ChatGPT reproduz trechos extensos de artigos, contornando o paywall do jornal. Essa evidência ataca diretamente o quarto fator do fair use. Consequentemente, demonstra um claro prejuízo ao mercado do NYT e enfraquece a defesa da OpenAI.
Análise Jurídica: Por Que o Cenário Brasileiro é Mais Hostil à OpenAI
A importação do conflito para o Brasil encontra um ecossistema jurídico particular. Essas características podem tornar o ambiente legal mais desafiador para a OpenAI. De fato, a simples transposição de argumentos de defesa pode se provar ineficaz aqui.
A Inexistência do “Fair Use” e as Limitações da Lei 9.610/98
Este é o ponto de inflexão mais crucial. O direito brasileiro não possui uma doutrina aberta de fair use. Em seu lugar, a(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm) estabelece um rol taxativo de limitações em seu artigo 46. Essas exceções são específicas e interpretadas de forma restritiva.
A atividade de scraping massivo com fins comerciais não se enquadra nessas hipóteses. Isso significa que o principal escudo legal da OpenAI nos EUA é, em grande medida, inexistente no Brasil. A análise judicial no processo de direitos autorais da Folha vs. OpenAI tende a ser mais direta. Houve reprodução não autorizada? A finalidade era comercial? Respostas afirmativas tornam a configuração do ilícito autoral muito mais provável.
O “Algoritmo da Casa-Grande”: Extração de Valor e a Precarização do Jornalismo
Além da análise dogmática, é imperativo entender a dimensão sociológica do conflito. Como defendo em minha obra, o que está em jogo é um modelo de extração de valor. A IA generativa opera uma gigantesca transferência de riqueza. O valor gerado pelo trabalho de jornalistas e artistas é capturado por plataformas de tecnologia sem a devida contrapartida.
Este fenômeno, que chamo de “Algoritmo da Casa-Grande”, precariza as profissões criativas. Ele também ameaça a sustentabilidade do jornalismo profissional. A ação da Folha, portanto, é uma reação necessária contra esse modelo extrativista. Ela busca reafirmar um princípio fundamental: a inovação não pode destruir a fonte de conhecimento que a alimenta.
Arsenal Intelectual: Implicações Práticas para a Advocacia Digital
Este cenário de litígio exige que os operadores do direito estejam preparados. Eles precisam assessorar seus clientes com estratégias proativas e de mitigação de riscos.
Para Criadores de Conteúdo: Auditoria, Contratos e Medidas Técnicas
Advogados que representam criadores de conteúdo devem recomendar uma abordagem multifacetada. Em primeiro lugar, a revisão dos Termos de Serviço dos websites, proibindo o scraping para IA. Em segundo lugar, a implementação de medidas técnicas robustas, como arquivos robots.txt restritivos. Além disso, é crucial realizar auditorias para detectar extração de dados. Por fim, deve-se explorar a formação de consórcios para licenciamento coletivo.
Para Desenvolvedores e Usuários de IA: Due Diligence e Mitigação de Riscos
Para empresas que usam IA generativa, a assessoria deve focar na due diligence da origem dos dados. É fundamental questionar os fornecedores sobre seus datasets. Igualmente importante é exigir cláusulas de indenização em contratos. Internamente, as empresas devem criar políticas claras sobre o uso de IAs, como detalhado em meu livro(https://lantyer.com.br/direitoia ). A conformidade legal tornou-se um fator de risco primordial.
Conclusão: O Futuro do Conhecimento e a Remuneração da Criação
O processo de direitos autorais da Folha vs. OpenAI é mais do que uma disputa legal. É um microcosmo da negociação que definirá como o conhecimento será criado e remunerado no século XXI. Estamos em um ponto de bifurcação. Ou caminhamos para um futuro licenciado e ético, ou aceitamos um modelo extrativista que pode exaurir as fontes de criatividade.
O desfecho deste caso afetará a viabilidade das profissões criativas e a integridade do ecossistema informacional. Para o operador do direito, este não é apenas um novo campo de atuação. É a fronteira onde a tradição jurídica é chamada a dar forma à mais poderosa ferramenta de conhecimento já criada.
- A Muralha da Meta: Banindo o ChatGPT para Coroar a ‘Meta AI’ no WhatsApp
- ECA Digital e a Nova Arquitetura Jurídica para Menores no Ambiente Digital: Um Guia Completo
- A Regulação da Inteligência Artificial no Vietnã: Um Espelho para os Desafios do Brasil
- Folha vs. OpenAI: A Batalha pelo Direito Autoral na Era da IA Chega ao Brasil
- Lei 15.123/2025 e deepfake: novo marco na violência psicológica com IA




